BASTA CONHECER O ESPIRITISMO PARA SE TORNAR UMA PESSOA MELHOR?
Para o espírita se tornar alguém melhor, será suficiente frequentar ou, até mesmo, colaborar numa casa espírita?
Certamente que não, pois a vida desenrola-se todos os dias e é nas situações do dia-a-dia que se percebe quem verdadeiramente somos.
Bastar-lhe-á fazer leituras de obras doutrinárias?
O conhecimento, só por si, não torna ninguém melhor. No caso do Espiritismo, há que aplicá-lo a si mesmo.
Ser expositor espírita será sinónimo de alguém que se esforça por pautar a sua conduta pelos ensinamentos do Espiritismo?
O expositor espírita prepara um tema e transmite-o. Por princípio, ele é o primeiro beneficiado com o seu conteúdo, pois foi necessário estudá-lo, mas isso, só por si, não é sinónimo de já se deixar conduzir pelos princípios que divulga, por muito mérito que tenha no trabalho de exposição.
Diz-nos "O Evangelho Segundo o Espiritismo", de Allan Kardec, claramente:
"Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más."
Posto isto, o verdadeiro espírita é falível, uma vez que todos o somos, no entanto, os seus atos deveriam tender para se aproximarem e para se inspirarem nos ensinamentos a que teve acesso e que abraçou. Isto é coerência.
Na obra "Contos desta e doutra vida", de Humberto de Campos e psicografada por Francisco Cândido Xavier, conhecemos Laurindo Matoso. A sua história mostra-nos a diferença entre um espírita apenas "de nome" e um espírita na verdadeira acepção da palavra, tal como indica a definição de Allan Kardec, atrás referida.
"Laurindo Matoso sentia-se no auge da exaltação doutrinária. Iniciava os comentários de uma trintena de noites, que seriam consagradas a estudos sobre o dinheiro à face do Cristianismo, e exprimia-se, severo. Lembrava a história dos grandes sovinas, relacionava os desastres morais surgidos da finança inconveniente... ― O ouro, meus irmãos ― pontificava, solene ―, é o pai de quase todas as calamidades da Terra. Abre a vala da prostituição, gera a delinqüência, incentiva a loucura e corrompe o caráter... Onde apareça a miséria, procurai, por perto, a fortuna. É preciso temer a posse e extinguir a avareza. O dinheiro destrói o amor e a felicidade, o dinheiro enche cadeias e manicômios... A assembléia escutava, escutava... Entretanto, o exame do assunto permitia o debate fraterno e, porque muitos companheiros de raciocínio acordado não podiam esposar plenamente as teses ouvidas, Matoso viu-se para logo encurralado em perguntas diretas. ― Mas você não considera o dinheiro como recurso da vida? ― ponderava Montes, o irmão mais velho da turma. ― A direção é que vale. Água governada faz a represa, a represa sustenta a usina, a usina cria trabalho e o trabalho é a felicidade de muita gente. ― Ora, ora! ― gritava Laurindo, esmurrando a mesa ― lá vem você, o filósofo espírita. ― Como assim? ― sorriu o ancião prestimoso. E Laurindo: ― Qualquer dinheiro desnecessário a quem o possua é porta aberta à demência. ― Ouça, matoso ― interferiu Dona Clélia ―, imagine-se você mesmo, num catre de provação, recolhendo o amparo amoedado de algum amigo. É impossível que você amaldiçoe o auxílio espontâneo... ― A assistência é tarefa para Governos ― tergiversou o orador. ― Sim ― concordou a interlocutora ―, mas, por vezes, a representação dos Governos, embora respeitável, custa muito a chegar. ― E o dinheiro generoso que pode ajudar nos casos de família? ― acentuou Dona Zulma. ― naturalmente, o senhor não tem, como nos acontece, um filho acusado por um desfalque no Banco. A quantia que nos foi emprestada, para salvar-lhe o nome, funcionou como bênção. ― Nada disso ― protestou Laurindo, excitado. ― Não houvesse o dinheiro e não surgiriam viciações. A paga dourada é que faz os defraudadores. Estudei a questão quanto pude. Em todas as civilizações, o dinheiro é responsável por mais da metade dos crimes... A preleção seguia animada, com apartes ardentes, quando o telefone chamou Laurindo em pessoa. O aviso procedia do recinto doméstico e, por isso, o monitor não conseguiu esquivar-se. Ao telefone processou-se o seguinte diálogo: ― É você, Laurindo? ― Sim, sim. ― Olhe ― informava a esposa distante ―, um portador chegou agora... ― Que há? ― inquiriu Matoso, austero e preocupado. ― Meu avô morreu e deixou-nos todos os bens... A fazenda, os depósitos, as apólices... Venha!... Precisamos combinar tudo. É muito problema por decidir, mas creio que a herança nos libertará de todo cuidado material para o resto da vida... ― Bem, filha ― e a voz do Matoso adocicou-se, de inesperado ―, vou já... Logo após, algo atarantado, pediu desculpas, alegando que precisava sair. ― E o final da palestra? ― disse Osvaldo Moura, um amigo que acompanhava as instruções, empunhando notas. ― Temos o mês inteiro para discutir o temário ― explicou o orador. ― O dinheiro é o flagelo dos homens. É imperioso guerreá-lo sem tréguas. Continuarei amanhã... Os dias se passaram e, por mais solicitado ao regresso, Laurindo nunca mais voltou..."
O Espiritismo não pode responder por aqueles que se deixam corromper pelo mundo, ainda que falem em seu nome, nem pelos que preferem conhecer a Doutrina apenas em teoria, não a aplicando nas suas vidas, nem mesmo por aqueles que usam as oportunidades de trabalho numa casa espírita, como mero exercício de vaidade.
Não, de nada disto o Espiritismo é responsável.
"O Espiritismo não é solidário com aqueles a quem apraza dizerem-se espíritas, do mesmo modo que a Medicina não o é com os que a exploram, nem a sã religião com os abusos e até crimes que se cometam em seu nome. Ele não reconhece como seus adeptos senão os que lhe praticam os ensinos, isto é, que trabalham por melhorar-se moralmente, esforçando-se por vencer os maus pendores, por ser menos egoístas e menos orgulhosos, mais brandos, mais humildes, mais caridosos para com o próximo, mais moderados em tudo, porque é essa a característica do verdadeiro espírita."
"Obras Póstumas", Allan Kardec
Não nos comprometamos moralmente. Sejamos verdadeiros espíritas.
Em ambos os planos da vida, muitos observam os nossos atos, também por sermos espíritas. Não nos é pedida perfeição mas já temos o conhecimento suficiente para nos esforçarmos para sermos melhores.
Graças à nossa conduta, muitos são aqueles que poderão aproximar-se do Espiritismo, salvando a sua encarnação. Todavia, também muitos outros poderão afastar-se, por ainda não saberem distinguir o espírita do Espiritismo, pela incoerência entre quem queremos parecer e quem somos, de facto.
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