terça-feira, 4 de agosto de 2020
TENTAÇÕES
TENTAÇÕES
Vejamos um exemplo de alguém que, tal como qualquer um de nós, reencarnou com todas as possibilidades para o êxito e vitória espirituais, porém, diante de uma das suas fragilidades, baixou a guarda e permitiu-se à queda.
“Filipe Simas renasceria com a missão de impulsionar a Verdade. Prometera aos Espíritos Superiores acolher-lhes o ensinamento, doseá-lo e distribuí-lo com a multidão.
Várias vezes, antes do berço, visitou, em companhia de grandes instrutores, o local em que receberia a tarefa.
E vira, de perto, a enorme cidade em que lhe soaria a palavra como trombeta do Céu.
Começaria o apostolado através do verbo fulgurante, e terminá-lo-ia com o lançamento de alguns livros em que os Mensageiros Divinos expressassem preciosa síntese da realidade maior.
À face dos abençoados compromissos, Simas nasceu e criou-se, iniciando o trabalho com geral admiração.
Muito jovem ainda, falava arrebatando quem o ouvisse. Benfeitores invisíveis ocupavam-lhe a garganta, transformada então em tuba sublime, e o conceito edificante jorrava-lhe da boca. Assemelhava-se, nesses instantes, a cascata de luz.
Legiões de pessoas escutavam-no, emocionadas. Senhoras reconhecidas beijavam-lhe as mãos e companheiros respeitáveis abraçavam-no, comovidos.
Todavia, os Espíritos acomodados às sensações inferiores da existência física mostravam-se incomodados. As preleções de Simas mudavam a vida mental da maioria de quantos encarnados eles se haviam habituado a atormentar. E perdiam terreno.
Agindo por sindicato de exploradores, reuniram-se em estudo.
Como remover o embaraço?
A princípio, improvisaram dificuldades. No entanto, as dificuldades como que lhe infundiam recursos novos. Simas orava e colhia forças. Invadiram-lhe, então, o reduto familiar. Inexplicavelmente, os irmãos atiravam-lhe ironias em rosto. O missionário, contudo, cobrava energias na prece. Era como se vivesse ligado à Esfera Superior, à maneira de escafandrista do Mundo Espiritual, captando-lhe o sagrado oxigénio da inspiração.
Os perseguidores sutis inventaram processos novos… Tentações variadas, cargas fluídicas em forma de dor, deserção de amigos, incompreensões, sarcasmos, prejuízos, mais amplas tricas domésticas…
Mas Filipe continuava falando. Palavra altissonante, reeducativa. E, como consequência, surgiam atitudes de conversão, intercâmbio de livros nobres, renovações, vidas transfiguradas e lares reconstruídos.
Reagruparam-se os adversários ferrenhos e, na assembleia, falou um deles mais experiente:
— O rapaz já cheirou dinheiro grande?
E as respostas vieram:
— Sim… sim…
— Já foi experimentado em prazeres diversos?
— E mostrou-se indiferente…
— Lutas familiares?
— Venceu as maiores.
— Calúnias?
— Aproveitou-as, fazendo-se herói…
O técnico em assuntos da sombra pensou algum tempo e lembrou:
— Festas! Já foi testado em homenagens pessoais?
E o grupo todo:
— É… é… ainda não…
— Experimentem — disse o astuto opositor —; pouquíssimos se livram...”
Começou para Simas uma época nova.
Os amigos, como se animados de furor admirativo, passaram a requisitá-lo. Apoio e demonstrações de apreço por toda a parte. Era o homem das festas inaugurativas. Nada se fazia sem ele, em matéria de atos sociais. Vistoria inicial de templos espíritas começantes, almoços de confraternização, reuniões comemorativas, viagens de longo curso para atender a convites honrosos, ágapes familiares, passeios no campo, preitos de ternura, recheados de flores…
E Simas falava, comovendo. Aplausos e lágrimas.
E explodiam novos convites… Jantares íntimos, conversações confidenciais, auditórios fiéis, amigos revezando-se em ofertas afáveis… Automóveis, aqui e ali, à disposição. Retratos a rodo, álbuns de viagens, recortes de jornais em que seu nome ganhara citação. Relatórios cordiais pela noite dentro, visitas intermináveis… e, com isso, a gula festiva.
Onde Filipe estivesse, surgia a mesa. Lanches, sequilhos, viandas, licores… Muita gente do séquito sabia de antemão: Simas, chegando, comezainas à farta. Como complemento aos licores inofensivos, havia para o grupinho mais íntimo as “bombas” alcoólicas.
Com alguns poucos anos, arrancado ao cultivo da reflexão e ao hábito salutar da leitura nobre, Simas era dono de conversação rotineira
Repetia casos, repisava conceitos sem refundi-los. De tanto aceitar homenagens enfeitadas por mãos quituteiras, acostumara-se ao prato grande. Fizera-se gastrónomo exigente. E, decerto, em razão da gordura excessiva, não mais aguentava servir nos longos comentários edificantes. Nada além de cinco minutos. Cansava-se, dizia-se portador de várias moléstias, afirmava-se em provação.
Antigos bajuladores não tinham, agora, mais tempo de cortejá-lo. E, muito antes dos dias previstos para os livros reveladores, Simas, vencido, tornara-se um trapo de gente, viciado em comprimidos para dor de cabeça.
Quando o vi, pela última vez, era um homem afónico, neurasténico. Rixava com a esposa. Clamava contra a gripe, contra a chuva, contra a humidade e contra o vento.
E, não longe, dois antigos adversários de sua missão, já fracassada, diziam, irónicos, entre si:
— Que fazer para levantar Simas de novo?
— Façamos festas! Uma festa é o remédio ideal.
E riam-se às escâncaras."
Esta história surge na obra "Contos Desta e Doutra Vida”, de Irmão X, psicografada por Francisco Cândido Xavier.
Não raras vezes, inculpamos Deus ou os Espíritos (encarnados ou desencarnados) pelas nossas derrotas e dificuldades mas, na verdade, serão eles mesmos os únicos responsáveis pelas mesmas?
“Ninguém, quando é tentado, diga que Deus é o que o tenta, porque Deus é incapaz de tentar para o mal; e Ele a ninguém tenta.
Mas cada um é tentado pela sua própria concupiscência que o abstrai e alicia.”
Tiago 1:14 - 15
Se, em cada dia, avaliarmos tudo aquilo a que damos atenção no decurso das horas, tudo aquilo que atraiu a nossa atenção, encontraremos, em nós características que uma vez vencidas, facilitarão mais momentos de ascensão espiritual em detrimento de quedas morais.
“Duas origens pode ter qualquer pensamento mau: a própria imperfeição de nossa alma, ou uma funesta influência que sobre ela se exerça. Neste último caso, há sempre indício de uma fraqueza que nos sujeita a receber essa influência; há, por conseguinte, indício de uma alma imperfeita. De sorte que aquele que venha a falir não poderá invocar por escusa a influência de um Espírito estranho, visto que esse Espírito não o teria arrastado ao mal, se o considerasse inacessível à sedução.”
“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Allan Kardec
Em muitos momentos, sentimo-nos indecisos entre o bom e o bem.
Noutros, agimos de determinada forma uma vez que julgamos estar sós. Todavia, até podemos estar sós fisicamente mas não o estamos, em momento algum, espiritualmente falando.
É então momento para indagarmos a nossa consciência:
Fazendo da maneira A ou da maneira B como é que eu vou sentir-me após uma e após a outra?
Ninguém cresce moralmente sem a presença das tentações.
O desafio é o que fazemos com as tentações.
“Tentação é você estar correndo para fugir de um cachorro muito grande, com a vontade imensa de ser alcançado.”
Francisco Cândido Xavier
Também a obra "O Livro dos Espíritos", de Allan Kardec, aborda esta temática.
“909. Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?”
“- Sim, e por vezes fazendo esforços bem pequenos. O que lhe falta é a vontade. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços!”
Observar, vigiar e orar.
Às vezes só oramos quando a situação já está muito complicada ou já aconteceu... Vamos começar a orar antes.
“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más.”
“O Evangelho segundo o Espiritismo”, Allan Kardec
A vida sem tentações ou testes de avaliação moral, perderia o seu sentido e as suas motivações de crescimento.
Jesus, o Sábio por excelência, foi tentado, ensinando-nos que se a tentação é fenómeno humano, a resistência contra o mal é uma conquista divina.
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